sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Saudade no Brasil

Elis Regina Carvalho Costa, série Grandes  Nomes, TV Globo 1980
                                              a José Roberto Sarsano

Nesse ano novo que está chegando, a saudade de Elis Regina é evidente, quando se rememora sua morte, ocorrida em 19 de janeiro de 1982, em São Paulo. Em 1980 a cantora estreava o show Saudade do Brasil, na casa de espetáculos o Canecão, no Rio de Janeiro, coroando-se com uma das apresentações mais marcantes de sua carreira, depois de Falso Brilhante, em 1976. Era uma montagem voltada, essencialmente, para as 'coisas' do Brasil,  o que significa dizer que não é saudade de acontecimentos passados: "É saudade do que está aí vivo e solto, se não temos acesso a isso, é por falta de uma batalha maior...", declarou a artista. Então Saudade do Brasil, o show, completa trinta anos em 2010, a partir de sua estreia em março de 1980, mês do aniversário da cantora, que completaria 65 anos. A seleção do elenco para o show e os ensaios, ocorriam no Teatro Procópio Ferreira (SP), direção de Ademar Guerra.  As coreografias  ficaram sob o comando de Márika Gidalli, que junto com o renomado bailarino e diretor Décio Otero, se mantém à frente do Ballet Stagium: companhia de dança sediada em São Paulo. E, em 1988, para homenagear a cantora, exibiram nas principais cidades brasileiras, uma montagem chamada Saudade de Elis, que eu assisti no Teatro Severino Cabral, em Campina Grande-PB. Anos depois, o mesmo grupo, viajou com o espetáculo Anjos da Praça, em cartaz no Teatro "Paulo Pontes" do Espaço Cultural, em João Pessoa-PB, onde a veterana bailarina e coreógrafa, me falou dessa temporada no Rio  e de sua convivência com Elis:

"O Ballet Stagium estava apresentando Kuarup, criado em 1977, então todos foram assistir e isso influenciou alguns arranjos feitos por César Carmargo Mariano. 'Saudade do Brasil' foi um espetáculo criado por um grupo que a amava. Alí, no palco, ela retirou toda casca que a envolvia e se doou. Lembro-me que o compositor Gonzaguinha foi assistir a um ensaio, ficou encantado com 'O Primeiro Jornal' e começou  a escrever 'Redescobrir'. Era prazeroso vê-la dando tudo de si, num momento alto de sua carreira.  Acompanheio-os do Rio a São Paulo. E tenho mais o que dizer, acrescentar, mas é preciso retroceder no tempo..."

Encerra-se no Canecão para estrear no TUCA - Teatro da Universidade Católica.  Num cenário verde-amarelo de bananeiras, elenco e músicos usariam uma camiseta-pátria: Elis - Ordem; Regina - Progresso, encravados na bandeira brasileira, mas o campo verde era  substituído pelo luto. E diante dessa reivindicação política, em meio a fortes resquícios de ditadura,  não pôde circular como peça cênica. No mesmo ano, o álbum duplo com a íntegra do show, gravado em estúdio, é  lançado. E uma forte coincidência envolve essa edição: as caixas tiveram numerações limitadas de 01 a 25.000 exemplares, mais um libreto com fotografias  e letras das músicas. Obtive, exatamente, a de número 1982/0, que para um colecionador significa muito... Desmembrados depois, em dois volumes. Além de outro disco lançado em 1980, entitulado Elis, pela EMI-Odeon, a TV Globo põe no ar o especial Elis Regina Carvalho Costa, da série Grandes Nomes. A performance da cantora se dá sob o contexto circence; contudo, o especial transita pelo universo da brasilidade:  o locutor, formalmente, a anuncia como principal atração e ela  entra no "picadeiro", equilibrando-se numa corda-bamba imaginária. E segue mais afi(n)ada, maestrina de si mesma, insuperável. Os tecidos populares que vestem o Brasil - chita e bramante -, ornamentavam o cenário.  E neste dia a camiseta foi usada, discretamente, pelo diretor Daniel Filho, César...  O show foi muitíssimo aplaudido, marcado sobretudo, por sua comovente interpretação em Atrás da Porta, de Chico Buarque de Holanda, que inicialmente fora gravada no disco Elis 1972, período em que César Mariano se aproximou efetivamente da cantora. Mas, ironicamente, naquele momento estavam separados. E nesse universo introspectivo, cantora e mulher se confrontam: Elis se debulha em lágrimas, vivenciando, literalmente, o que é separação: "Quando olhaste bem nos olhos meus /E o teu olhar era de adeus, / Juro que não acreditei..."  Mas, na segunda parte do programa, Elis homenageou o pianista, convidando-o ao palco: piano e voz em Modinha (Tom Jobim) e Rebento (Gil).  Essas imagens foram ressuscitadas  em DVD, por João Marcelo Bôscolli, produtor da Trama. Em março de 1981, dentro da mesma série de apresentações da emissora, foi a vez do especial de Maria da Graça da Costa Penna Burgos, conhecida por Gal Costa, que a recebeu como convidada especial. Juntas cantaram Estrada do Sol (Dolores Duran e Tom Jobim), Amor até o Fim (Gil )e Ilusão à Toa de Johnny Alf.  "Eu sou a maior cantora do Brasil: 'Saudade do Brasil' foi o melhor espetáculo que eu fiz na vida" - assegura, do alto de sua maturidade musical. Elis se enterrou com o figurino proibido: mãos contraditórias, cruzadas sobre a pátria-coração, gesto de morte revolucionária. Saudade do Brasil, no entanto, prefigura saudade de Elis: "Quem grita, vive contigo..."