quinta-feira, 19 de julho de 2012

sexta-feira, 9 de março de 2012

Fale o que quiser

Aqueles adolescentes eram "papagaios", viviam a catar/engolir/decorar palavras em diversos diálogos do cotidiano. No meu curso ginasial alguns professores nem sabiam falar/escrever. Um mundo de erros gramaticais que nem a escola podia corrigir. E com os ouvidos cansados de tanto "barulho", sentenciei: "quero ler e escrever corretamente”. Mas a pele da sociedade é rachada pela doença da mal educação, vítima de um fazer governamental errante, que perdura década após década. Gosto de anotar esses dizeres, grafados pela fome, mal pintados pelo carvão. As palavras ditas erradas estão à beira do caminho, nas rodovias, nas paredes das casas humildes: fala costumeira e visceral do nosso povo. Entendo bem essa fala/escrita emboloada, trazida pelo vento, colonizada, misturada. Professor é um mediador, não único detentor do saber; portanto, busquemos os livros que são agentes da transformação. Erro de gramática é acerto da linguística, e não são apenas palavras que perdem as pernas: uma nação é construída por homens coxos pesados de defeitos.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A marginal do teatro

Às 10:30h eu estava entrando no Teatro Paulo Pontes, em João Pessoa-Pb. Dercy estava sentada no centro do palco, dirigindo a montagem do cenário: volumosas cortinas prateadas. Entre conversas e fotos, o encontro durou uma hora. Entreguei-lhe um texto entitulado "Dercy: novent'anos é flor", que ela rapidamente assegurou: "Isso daqui vai para o meu museu em Santa Maria Madalena". À noite retornei para ver o show e todo mundo derreteu-se em risadas. Sentado na primeira fila, uma bolsinha brilhava sobre uma poltrona, a meu lado, e minha amiga ousou abrir: estava recheada de notas de R$ 100,00, e que pertencia à artista, a qual foi imediatamente entregue. Dercy vinha do tempo das vedetes, do teatro rebolado, da Praça Tiradentes (Rio), época em que essas artistas eram vistas como prostitutas:  "eu tinha até carteirinha...", enfatizou. As famílias não podiam ver o show de Dercy, o que fez a comediante passar 40 anos renegada: "Hoje todos me aplaudem, chamam tudo isso de arte", delira. Mas o palavrão não era devassidão, este estava mais ligado à sobrevivência; o povo tinha que rir de qualquer maneira, e consequentemente movido pelo humor que brotava do talento de Dercy, que nasceu Dolores: "Parece nome de puta espanhola". O show contava toda a sua trajetória artística, desde o dia em que fugiu da terra natal, quando escondeu-se debaixo de um vagão de trem, mas os cães a denunciaram... Tentava alcançar um grupo de teatro mambembe. Cantora de igreja, vendia ingressos no cinema local e pintava os  olhos como as atrizes do cinema mudo. Não queixava-se da vida, brincava com o passado: "Aprendi a viver como as galinhas, ciscando, ninguém me ensinou nada, pô". Da vida dura pelos palcos afora, até se erguer como comediante respeitada, passou por "poucas e boas": "A vida inteira trabalhei apenas para sobreviver, hoje é que trabalho para viver". Nessa época, há mais de anos, eu havia ido ao Rio, e quando eu passava em frente à casa de espetáculos, o Canecão, lia-se: "Canecão apresenta Dercy Gonçalves". E como a vida inteira eu quis conhecer aquele fenômeno, jurei a mim mesmo: vou encontrar essa danada... E chegou o dia do encontro e da risadagem, muito mais de lição de vida da maior marginal do teatro.



Imagem: arquivo pessoal