Desenhos do mato
a Nivaldete Ferreira
Achados arqueológicos na era da cal(s). Os baixos-relevos esculpidos nas pedras, preeenchidos de caliça? E sendo à beira da estrada, e época de eleição, é perigoso que políticos contratem letristas para suas propagandas eleitoreiras, sobrepondo os rupestres. As figuras que habitam o museu do mato, talvez amedrontem esta civilização: são serpentes, touros, gnus, emas, águias, crocodilos gigantes e longas cabeleiras. Os relacionamentos eram também expostos: dança, lutas, armas... Quem os desenhou nas lousas dos rochedos? Além da passagem dos fenícios, outros nômades pisotearam esses penhascos, em período de caça abundante, e de uma rudez necessária. Do caminhar gelado pelo Estreito de Bering, possivelmente, deu-se o povoamento das Américas. Não havia tijolos, palha de sapê nem ocas padronizadas: paredes só a do tempo. O fogo foi uma grande invenção, mas é provável que essa gente já trazia carne assada nos matulões. E como não se construía açude, mamavam nas pedras ou em vertentes que corriam nas tubulações de um certo arbusto frondoso. Tudo vinha das pedras, mas não se usava vender nada, nenhuma moeda circulava nem mesmo a troca, por que nada se tinha a mais. Os mais temerosos supõem: não foi gente dessa bola de serras; talvez gente-bicho comendo gente. Há quem fale em marcianos ou outros turistas galácticos. Será que um espírito garimpeiro levou nossas ametistas e esmeraldas? Mas então havia rei precisando de mais brilho na coroa, e mandou pedras graúdas: meteoros e skylabs para matar esses povos. Moradores de hoje têm apenas uma visão colonial sobre o assunto: caçadores encontraram a casa dos índios, mãos de gente como a gente... Mas o latifúndio não pertencia a nenhum senhor de engenho ou fazendeiro, ausentando a marca brutal da servidão. E gente já de costumes, rituais? As pedras esculpidas ou desenhadas, subdividem-se em altares, lajes e rasos pavimentos. Pinturas que não descascam, arte milenar, alquimia: leite de pinhão, pó de pedras, minérios e sementes, sangue e gordura de animais: ficavam dias iguais, de sol e sereno, antes do pintor registrar suas experiências.E muitas histórias vão conscientizando a população. Trabalhadores escavavam um tabuleiro, juntavam pedras de toda cor: cabras pastavam sem cercas e uma parede, comprida, foi erguida, além das altas torres de aveloz. E começaram a comparar tamanhos e larguras das peças: eram filamentos pontiagudos, retângulos carcomidos, pedras calcárias ovais e roliças... Mas uma delas chamou atenção: a suposta pedra apenas fora possuída pelo barro mesclado, que logo foi removido, e definiu-se um crânio. Então, as ossadas, eram mesmo de preguiças gigantes. O solo é dia a dia escavado: plantação, mineração, enterros diversos, construções... Uma grande parede erguia-se entre dois serrotes, formando uma barragem, e o alicerce central recebia muito material disperso e resistente. Mas enquanto se aprofundavam as remoções, homens arrancaram rótulas, tíbias, ossos inconfundíveis de dinossauros. Noutro local, com o mesmo objetivo, vieram as cheias, e os rupestres, até hoje, estão submersos, desbotando no porão do açude. Contudo, as pedras são misteriosas, e suas inscrições têm uma conotação de recado à humanidade. Esses monumentos escondem sinais pouco decifráveis, divulgados pelo tempo; alguns são catalogados mundo afora, outros são apenas apontados por bem intensionados guardiões. No entanto, a idéia não é mais preservar o homem, talvez já destruído pelas contingências da própria existencialidade. E se é tão difícil assim sua reabilitação, cuidemos das pedras.