“Sei que amanhã quando eu morrer, os meus amigos vão dizer que eu tinha um bom coração...” (Nelson Cavaquinho)
1.
Com que roupa eu vou à cova?
De terno branco, camisa amarela
e gravata borboleta; teci a touca,
a luva e o cravo rosa da lapela.
2.
Mas é bobagem, loucura
vestir-se, assim, com pompa
em dia triste de clausura
como andasse em passarela.
3.
Muitos prestigiam dia de morto
com agrados e olhares de pena:
choram irmãos, amigos sinceros;
hora dos abutres, raposas, hienas...
4.
Estarei mudo, cego e mouco,
De terno branco, camisa amarela
e gravata borboleta; teci a touca,
a luva e o cravo rosa da lapela.
2.
Mas é bobagem, loucura
vestir-se, assim, com pompa
em dia triste de clausura
como andasse em passarela.
3.
Muitos prestigiam dia de morto
com agrados e olhares de pena:
choram irmãos, amigos sinceros;
hora dos abutres, raposas, hienas...
4.
Estarei mudo, cego e mouco,
quando eu morrer, qualquer dia:
dispenso visita, ladainha, choro,
cantarola, oratória, demagogia...
5.
Quero ir des(bota)do, despido
sem flor aromada, tapa-sexo;
mortalha é luxo, roupa de festa,
mortalha é luxo, roupa de festa,
mãos minhas irão sem terço?
6.
Quero meus pés descalços,
roxos, nus, cheios de calos;
mostrando os cortes, a lama
e os esporões-de-galo.
7.
Não quero pedra polida,
caliça, cimento, concreto;
quero a terra escorrida
caída sobre meus ossos.
8.
Escrito na lápide de ferro
meu nome será pisado;
apontarão os meus erros
em dia insosso de finado.
9.
Meus versos serão guardados
como relíquias, cânone, legado?
Decerto serão menos lidos,
meus livros serão queimados?
Imagem: limacoelho.jor.br
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