quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Cãozinho de Bagdá e a cachorra de cá


 
I
De Bagdá, com muito amor, o livro, é a história de um cãozinho que apareceu vagando, macambúzio faminto, pedindo colo, em meio às emboscadas das ruas possuídas pela guerra. Cogitou-se o sacrifício, mas o bichinho pulguento estava no "corredor da morte"  e de qualquer jeito morreria.  O animalzinho rasga o fardo de carne, no acampamento  e  do coração de um soldado condicionado a matar, nasce o amor: desfez-se do matulão e da arma, banhou-o com querosene e lhe serviu carne  e outras comidas. E já está saltitante, brincando nas trincheiras dos campos de batalha: matança que perdura em Bagdá. O soldado atira "nos inimigos" e se desarma para abraçar o cachorro, que lhe lambe o braço e morde o fuzil. E às vezes erra o alvo entre a prática de matar e a inesperada forma de amar. Depois, todos os soldados põem-se a brincar, sorrir com as aventuras do cão pacificador. Claro que, em breve, ele será "cidadão" americano.
II
Começou cavando buracos em muitos muros pedregosos.  Estava muito larga, não podia mais  se espremer nas grades clandestinas. Amanheceu com oito filhotes mamando, incessantemente: chumbo, cinza, ruivo, branco e preto, preto... E a mãe, estreante,  some  pelas ruas, com o leite vazando pelas tetas, pingando por onde passa, deixa-os sobre o papelão a chorar, chorar... Já tomam leite de vaca, ração umedecida e respiram fora da toca. "Doam-se cães", diz a placa na parede. Já escolhi o meu, mesmo sendo vira-lata, oscila entre as cores bege e o chumbo: dispara suaves latidos. E a cachorra de primeira tiragem, já foi vista com os namorados antigos, não se aproxima dos bichinhos, com mais de um mês de vida.   Às vezes aparece ligeiro e eles avançam... Diante da oferta, nenhum deles ficará sem lar. Até as cachorrinhas, que são rejeitadas desde o nascimento, já têm seus pretendentes mirins: "Depois de vacinadas, elas não podem ser mães", programam seus destinos. Um marchante de porcos sentenciou: "Mato todas, isso é peste". E um menino  pedalando bicicleta, avisou: "Desisti de criar cachorro, dá muito trabalho. Nem macho nem femme".

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Lavadeiras

 
Quando águas se renovam
açudes reúnem lavadeiras
em tanques de águas claras,
represados nas pedreiras.
Estamparia de panos ensaboados
são tapetes de flores rasteiras,
roupas estendidas, hasteadas
são bandeiras de muitas pátrias.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Moça nua

 
Na minha rua mora um senhor de mais de 80 anos de idade: devoto de muitos santos, vive a rezar, benzer-se em frente à Tv. Quando termina a transmissão da missa, ele continua a desenhar o crucifixo, no ar, como faz o Papa. "Tá vendo padre aonde?" - Pergunta o filho caçula. "Tenho outras devoções",  conscientemente responde. E põe-se a rezar durante o programa do Faustão, vendo aquelas bailarinas e outras apresentações com biquinis  mais cavados: "Essa mulé tá com remelexo pro meu lado", diz. Se fosse na época do Chacrinha, ele teria se benzido vendo os bumbuns de Rita Cadilac e Gretchen... Em outras ocasiões faz piada: "Pra me fazer mal nem moça nua".

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Orquidário


No inverno elas vêm à deriva, migram ou evoluem dos casulos. E as crianças, amorosamente, tentam aprisioná-las, possuí-las, mas fragilmente, se despetalam. A espécie mais comum nessa época, é aquela rubro-negra, voando quase que rente ao chão. Já ouvi gente dizer: essas borboletas são torcedoras do Flamengo... Há outras minúsculas, vulneráveis: brancas, amarelas, vermelhas... Tão belas assim, mas são rejeitadas pelos camponeses, que  pulverizam suas lavouras impregnadas de lagartas. É a floração do campo sendo visitada por outras flores aladas. Essa colmeia de borboletas azuis me foi enviada da Noruega,  que eu insisto em chamar de orquidário.  

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Enxugando louça

 
Vou indo estrada afora
achando a vida insossa:

a paisagem na vidraça
e algumas roupas na bolsa.

Conjugação de forno e lavado
pratos sujos afogados no coxo:

minha mãe enxuga louça,
seca os olhos de poça.